Nestes tempos de pandemia é comum ver, em especial nas redes sociais, muitos irmãos em Cristo colocando versículos bíblicos como o Salmo 91, em especial os versículos 9 e 10. Nestas postagens, fazem isto para dizer que não é preciso se preocupar demasiadamente com a pandemia, pois se você é cristão então Deus o protegerá, pois o prometeu. No entanto, devemos ter cuidado para não interpretarmos a Bíblia erroneamente. Pedro fala sobre esta atitude (2 Pedro 3.16). É fundamental que, em tempos de pandemia ou não, tenhamos uma atitude sadia em relação à INTERPRETAÇÃO BÍBLICA.
Antes de mais nada é preciso compreendermos que a Bíblia é sobre Deus e não sobre nós. Assim, nem tudo que está escrito na Palavra é uma promessa para nós. Isto não significa que nem tudo é Palavra útil e apta para nós, pois TODA a Bíblia é Palavra de Deus inspirada, útil e apta (2 Tm 3.16). No entanto, há na Palavra promessas, doutrinas, relatos históricos, profecias e poesias. Ou seja, NEM TUDO é promessa. Cada qual deve ser observada em seu contexto e, a partir de então, devidamente interpretada e aplicada.
A partir disso, é possível analisar, compreender e aplicar o Salmo 91. Ele é parte da literatura poética da Bíblia. Ou seja, como os demais salmos, provérbios, livro de Cantares, de Eclesiastes e Jó, ele é um texto poético. Uma poesia do homem para Deus (e não necessariamente o contrário), seja para ser cantado ou em forma de oração. Neste caso, especificamente, podemos ver o autor desta poesia iniciando-a com a afirmação que o que vive com Deus pode dizer tais coisas. Depois ele reafirma esta ideia de confiança nos cuidados do Senhor ao repetir a ideia a partir do versículo 9 (a poesia hebraica tem esta rima de ideias e não de sonoridade das palavras). Perceba que aqui há uma poesia sobre a confiabilidade de Deus e o descanso que os que confiam Nele podem ter. Porém, não se trata de uma afirmação divina de que não teremos doenças, até porque se o fosse deveríamos pisar em leões e serpentes (v. 13) visto que é uma expressão imperativa. O fato é que esta linda poesia busca ressaltar o quanto Deus é confiável e há descanso em nosso ser quando lembramos desta realidade.
Podemos, portanto, aplicá-la a nossos dias, não como um impedimento à precaução, mas como uma reflexão semelhante à do Salmo 42. Naquele salmo o autor, em meio à angústia, questiona a inquietação de sua alma e responde a si mesmo: “espera em Deus [minha alma], pois eu ainda o louvarei”. O que ama a Deus e anda com ele pode confiar que Deus sabe o que é melhor para si, mesmo em meio a um vale de sombra e morte. Ou seja, não há uma exortação para crer nesta “promessa” e sim um júbilo pelo fato de que, ao descansarmos nos braços de um Deus que é Pai zeloso e Senhor sobre tudo e todos, sentimos que não há mal que venha a nos abater de fato. É interessante também observar que o salmista ainda não tinha a compreensão e a esperança que temos, uma vez que a poesia foi escrita séculos antes do nascimento de Cristo. Ou seja, nós que cremos, ainda que vejamos todo o mal que aumenta a cada dia, como as guerras (v. 5), doenças (v. 6) e a impiedade (v. 8), temos a certeza da invisível presença, proteção e do cuidado de Deus. Nossa esperança não está na paz mundial, ausência de doenças ou correção moral e ética da humanidade, mas em que o Cristo que morreu e ressuscitou voltará para reinar eternamente em Glória. Os que conhecem a Ele (v. 14) terão vida longa e salvação (v. 16). Mas esta esperança se baseia em promessas registradas em outros trechos da Palavra os quais se propõem a serem promessas de fato (p. ex.: Jo 3.36, 6.47, 11.25).
Pr. Cléber Ribas