Mateus 18.20 – “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles”
A igreja evangélica brasileira está em crise, nesses tempos de coronavírus e quarentena? Que repercussão tem na vida da igreja o fato de os templos estarem fechados ou com capacidade reduzida, grandes aglomerações serem proibidas, dízimos e ofertas não poderem ser consagrados no ambiente presencial do culto, etc.? Recentemente, em uma matéria digital, uma jornalista (prefiro não citar seu nome) dizia que o coronavírus estava “arruinando” o “império” das igrejas evangélicas no Brasil. Sua explicação: sem as grandes multidões nos templos, onde é fácil “manipular” as pessoas, as grandes arrecadações de dinheiro não estão mais sendo possíveis. Já um conhecido pastor batista do cenário nacional, em entrevista on-line com pastores aqui do Rio Grande do Sul, dizia que as “igrejas-espetáculo” estão, sem dúvida, em crise!
Nossa avaliação sobre se a igreja (evangélica) brasileira está ou não em crise – e, se sim, em que medida ou grau – vai depender da resposta a outra pergunta: o que é essencial à igreja? O que não pode faltar de jeito algum para a vida da igreja, aquilo sem o qual a igreja deixa de ser igreja? Se o que for essencial estiver sendo barrado ou negado para a igreja, aí podemos dizer que a igreja brasileira está em crise ou – pior – em apuros! Caso contrário, nossos problemas são práticos, logísticos, ou de qualquer outra natureza, mas não caracterizariam uma “crise” na sua existência. O que, portanto, é essencial à igreja?
O texto de Mateus 18.20 traz uma resposta. Embora ele diga respeito diretamente a um contexto de disciplina eclesiástica (cf. versos 15ss), ele pode ser aplicado também à vida geral da igreja. Neste pequeno verso, Jesus sintetiza o que devemos esperar que aconteça na igreja, o que lhe é essencial. Embora o termo não apareça ali, poderíamos resumir a ideia do verso com uma palavra – relacionamentos. Relacionamentos são essenciais na vida da igreja – sem eles, uma igreja deixa de ser igreja. E dois tipos de relacionamentos.
Relacionamento com o Senhor Jesus. O relacionamento mais vital, é claro, é o relacionamento com o próprio Senhor Jesus. O verso 20 termina com essas palavras de Jesus: “ali estou no meio deles”. Disto não podemos abrir mão. Um grupo de pessoas que não busca coletivamente ter comunhão e relacionamento com o Senhor Jesus pode ser qualquer coisa, menos uma igreja. É essencial à igreja esse relacionamento! É a própria razão de ser da igreja! É por isso que Jesus diz que essas pessoas devem estar reunidas “em meu nome”, ou seja, debaixo de Sua autoridade e poder! Quando Jesus é a autoridade, o centro, a razão de ser de um grupo, ali Ele está presente! E é esse relacionamento com o Espírito de Jesus que faz da igreja, nas palavras de Paulo, “santuário”, “habitação de Deus” (1Coríntios 3.16,17; Efésios 2.20). Isso é constitutivo da igreja. É essencial.
Relacionamento com os irmãos. O relacionamento com os irmãos de fé também é essencial na vida da igreja. O verso 20 diz: “onde estiverem dois ou três reunidos…”. As grandes multidões não são essenciais, mas a reunião entre pessoas – mesmo que entre duas ou três – o é! Isto é muito mais do que o ajuntamento de pessoas que não se conhecem ou se relacionam! Note que todo o contexto do capítulo 18 de Mateus trata da vida comunitária da igreja, ou seja, dos relacionamentos entre os irmãos: o cuidado com os pequeninos na fé (v. 6-14), o tratamento do irmão que erra (v. 15-18), as decisões conjuntas (v. 18), a concordância na oração (v. 19), a concessão de perdão (v. 21,22). Tudo isto remete a um relacionamento significativo e profundo entre os irmãos. São esses irmãos que assim se relacionam que se reúnem em nome de Jesus. Isto é essencial à vida da igreja.
E aí? Como estas considerações nos ajudam a responder à questão de se a igreja brasileira está ou não em crise em tempos de coronavírus e quarentena? Ora, se o essencial são os relacionamentos – com o Senhor Jesus e com os irmãos -, devemos perguntar se tais relacionamentos estão ou não comprometidos nestes tempos de quarentena. Felizmente, o relacionamento com o Senhor Jesus não depende das limitações físicas que o vírus nos impõe. O Senhor Jesus está presente em nosso meio sempre que nos ‘reunimos’ em seu nome – mesmo que de modo ‘virtual’ ou on-line, como está sendo o caso em muitos lugares! A reunião on-line não torna mais ‘fraca’ ou ‘tênue’ a presença do Espírito de Jesus entre nós. Sua presença não depende da qualidade do nosso sinal de wi-fi – Jesus não está na ‘nuvem’! O que importa é que há uma reunião “em seu nome”, sob sua autoridade, onde Ele é o centro. Aí Ele está presente. E o relacionamento com os irmãos não está comprometido? Certamente ele foi afetado de vários modos. Mas está comprometido? Estará comprometido se não houver um esforço consciente por parte da igreja em buscar meios de fomentar esses relacionamentos. Felizmente, vivemos numa época privilegiada em que muitos meios de comunicação estão à nossa disposição para isto. Não é o caso de enumerá-los aqui. O fato é que podemos, sim, continuar nos relacionando, ainda que de modo diferente e limitado, nesses tempos de reclusão social! Nesta perspectiva, a tecnologia pode ser considerada uma ‘graça’ de Deus para a igreja! Para encerrar, não podemos negar que para todas as ‘igrejas’ que não têm os relacionamentos – com Cristo Jesus e com os irmãos – como algo vital, esses tempos podem ser de profunda crise sim. Afinal, os momentos de ‘espetáculo’, de grandes programas, de grandes ajuntamentos com finalidades duvidosas, etc. estão suspensos. Mas isto não deveria ser grande problema para aqueles que buscam relacionamento com o Senhor e com os irmãos. Sob este ângulo – com todo respeito -, a crise é bem-vinda!
Rogel E. Oliveira
Professor na FBP e Pastor na PIB de Lajeado