Em meados do século XIX ocorreu um forte movimento populacional oriundo da Europa em direção ao Brasil, sendo um dos pontos de chegada o estado do Rio Grande do Sul. Junto com estes grupos de imigrantes, especialmente de alemães e letos, vieram diversas famílias batistas que trouxeram, junto com o sonho de uma nova vida, o desejo de compartilhar o Evangelho.
Desse movimento de imigração surgiram as igrejas batistas em Linha Formosa, de Santa Cruz do Sul (em 1893), Linha 11, de Ijuí (1895), Porto Alegre (1898) e Panambi (1906). Foram estas igrejas que, juntamente com algumas outras congregações, fundaram, em 1910, a Vereinigung Deutscher Baptisten Gemeinden zu Rio Grande do Sul – Convenção das Igrejas Batistas Alemãs do Rio Grande do Sul, hoje denominada Convenção Batista Pioneira do Sul do Brasil.
O primeiro pastor batista alemão que chegou ao Rio Grande do Sul foi o Pr. August Matschulat, vindo a instalar-se em Formosa (interior de Santa Cruz do Sul), onde assumiu o pastorado no mesmo ano em que a igreja era fundada (1893). Um detalhe: ele não estudou formalmente em seminário e também não era ministro profissional.
Com o tempo, outros obreiros se apresentaram, também oriundos da imigração. Mas a carência continuava grande: em 1911 havia, no Rio Grande do Sul, 6 igrejas, 13 congregações, 639 membros e 42 professores de escola dominical, trabalho este que era atendido por apenas 4 pastores: Friedrich Leimann e Willy Leimann (irmãos), e August Matschulat e Friedrich Matschulat (pai e filho). A seara missionária era vasta, e a necessidade de obreiros, ainda maior.
Para levantar obreiros entre os jovens era preciso que eles fossem, desde o início, despertados para o conhecimento bíblico e teológico. Isso já acontecia, de certa maneira, com as Escolas Bíblicas Dominicais, as quais eram uma tradição em todas as igrejas de imigração. Não era concebível pensar uma igreja batista sem uma EBD sólida. Mais do que uma ferramenta de ensino, ela era também estratégia de evangelismo, pois as congregações começavam invariavelmente por uma escola organizada na casa de algum membro da colônia.
A preocupação, então, era qualificar os professores leigos que estavam à frente destas escolas dominicais, os quais muitas vezes assumiam também o púlpito de suas igrejas e congregações. Para promover então este melhoramento do corpo docente das EBDs, pensou-se na estratégia de organizar cursos bíblicos intensivos. Eles aconteciam inicialmente a cada dois anos, depois passaram a ser promovidos anualmente em diversas igrejas, focados na preparação de professores de Escola Dominical e membros das mocidades. O intuito dos pastores promotores dos cursos era preparar os leigos, especialmente jovens, em doutrina, geografia bíblica, didática, preparo de mensagens e diversas outras disciplinas.
O primeiro curso bíblico promovido pela Convenção foi realizado nos dias 14 a 26 de junho de 1927 na igreja da Linha 18 (em Ijuí). O propósito original era que ele durasse seis semanas, mas o tempo foi reduzido em dois terços por motivos práticos. Os professores foram os pastores Fritz Matschulat, Richard Pitrowsky (vindo do Rio de Janeiro), Georg Ziegler e Gustav Henke, que ministraram aulas para doze atentos alunos.
Esses cursos foram sendo repetidos ao longo das décadas de 1930 até 1960. As disciplinas variavam de acordo com as especialidades dos professores ou necessidades que se apresentavam. Para se ter uma ideia dos conteúdos, pode ser citado o exemplo do curso que foi realizado em Candeia (interior de Santa Rosa) nos dias 5 a 13 de julho de 1949, quando foram ministradas as seguintes aulas: Culto Israelita, Teologia Bíblica, História do Povo de Israel, Ensino na Escola Dominical e Canto e Música. Naquela ocasião houve uma professora, além dos pastores: a irmã Vallerie Stillner, então itinerante de tempo integral para o trabalho com mocidades e escolas dominicais da Pioneira.
Como mencionado, o grande propósito daqueles cursos era promover o ensino bíblico entre a juventude e, com isso, despertar jovens para o ministério. Alguns cursos também foram promovidos pelas igrejas, convidando comunidades vizinhas para participarem de suas aulas.
Com o tempo, começou a ser levantada a possibilidade de expandir o conceito de curso bíblico para “escola bíblica”, ou seja, uma estrutura permanente de ensino. Esse sonho foi levantado na Assembleia da Convenção de 1949, ocasião em que o assunto foi considerado muito elevado e motivo de atenção e intercessão. Nascia no coração dos pioneiros, de forma tímida, a ideia de uma escola. Não havia ainda condições materiais de desenvolver um projeto dessa envergadura. Entretanto, apesar do receio, o sonho foi ganhando forma até que, em 1957, as atas mencionam os cursos bíblicos realizados nas igrejas já com um objetivo concreto em mente: o intuito de se tornar escola permanente.
O resultado do ensino: jovens vocacionados
Se não era possível naquele momento criar uma escola bíblica estruturada, os resultados dos cursos e o entusiasmo pela obra de Deus se manifestavam. Diversos jovens foram vocacionados dentre as fileiras pioneiras, muitos dos quais a Convenção auxiliava financeiramente no sustento para os estudos teológicos, especialmente no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil (Rio de Janeiro), para onde a maioria
dos vocacionados seguiam. Os anos 1950 viram alguns jovens sentirem o chamado para o ministério, como Ottmar Wehr, Albert Ziegler, Helmuth Matschulat, Walter Kepler e Jonathan Strassburg, nomes que viriam a ser expoentes do trabalho batista no Brasil nas décadas seguintes.
Foi exatamente de um destes jovens pastores que viria o maior entusiasmo pelo ensino pioneiro e pela ideia de organizar uma escola bíblica permanente: o Pr. Ottmar Wehr. Formado no Seminário Batista do Sul em 1955, esteve à frente do pastorado de igrejas pioneiras ao longo de todo o seu ministério. Ele foi eleito para a presidência da Junta da Mocidade em 1961, permanecendo no cargo até 1966. Foi em 1964, por ocasião da assembleia da Convenção, que o Pr. Wehr apresentou a preocupação da Junta com a falta de obreiros e o desejo dos jovens pioneiros de ter uma escola própria que os preparasse para trabalhar nas igrejas. O sonho tomava a forma concreta de um projeto: a proposta de organização da escola bíblica.
É muito significativo o fato de que um jovem oriundo da mocidade pioneira, auxiliado pela Convenção nos seus estudos, à frente de igrejas alemãs pioneiras e entusiasta do trabalho missionário, tenha sido o proponente da escola dos pioneiros. A ideia estava lançada; o sonho começava a se tornar realidade.
A decisão de começar
A decisão da assembleia da Pioneira em 1964 foi passar à Junta Executiva a execução do projeto da escola bíblica. O local definido foi Ijuí, uma cidade central em relação às igrejas filiadas, além de contar com uma igreja forte para auxiliar nesse modesto início. A Primeira Igreja Batista em Ijuí ainda colocara à disposição da Pioneira um terreno na cidade para a construção. Começavam então as ações concretas: encomenda de uma planta, aquisição de tijolos e levantamento de recursos para a difícil obra que se apresentaria nos anos seguintes.
O local de instalação da escola também passou por uma redefinição naquele ano e no seguinte. Como o terreno ofertado pela igreja de Ijuí era pequeno, decidiu-se pela venda do mesmo para angariar recursos. A decisão foi pela compra de um novo terreno em Ijuí, o qual foi encontrado em meados de 1965 e adquirido até o final do ano. Era uma grande área de 5000 m2, que permitia à escola começar pequena, mas com possibilidades futuras de grandes ampliações. Com o passar dos anos, aquela decisão revelou-se muito oportuna.
Outra adaptação que se deu foi em relação à própria estrutura de funcionamento da Convenção. Por causa das novas demandas com a escola bíblica, e especialmente com o envolvimento nas construções que se seguiriam, decidiu-se criar o cargo de secretário executivo de tempo integral (este cargo era eleito e não remunerado até 1966). O escolhido foi o então presidente da Pioneira, o Pr. Otto Grellert.
O início com um passo de fé
O sonho da escola bíblica era apresentado já como um projeto em realização na assembleia reunida em fevereiro de 1966. O terreno em Ijuí fora adquirido em condições financeiras favoráveis e a construção iniciaria imediatamente, começando pela Casa do Diretor, que serviria no início como residência do secretário executivo e também como sede da Convenção, abrigando seus arquivos e documentos. Depois desta casa, seriam erguidas a sala de aula e internato.
Outro ponto fundamental era o corpo docente. Para dar início à escola, era preciso um profissional experiente na área da educação. Para tanto, foi recomendada pela Convenção Batista da Alemanha a professora Dorothea Nowak, mulher de formação teológica e experiência em educação de jovens para o trabalho com igrejas e mocidades. Ela chegaria no final do ano, inclusive com auxílio financeiro por parte da convenção alemã. O segundo membro do corpo docente foi o Dr. Hugo Lück, acadêmico que se formou na Inglaterra e professor do seminário teológico da North American Baptist General Conference (nos Estados Unidos), que ofereceu um semestre de suas férias para ministrar aulas em Ijuí, sendo as custas de sua viagem pagas pelo comitê missionário americano. O terceiro foi o próprio Pr. Otto Grellert, também de sólida preparação na Alemanha. O início da escola era eminentemente alemão, com três teólogos germânicos, o que denotava também as origens imigrantes do trabalho missionário pioneiro no Brasil.
Os recursos eram poucos, mas o entusiasmo compensava. Como não seria possível iniciar as aulas já em uma estrutura construída, a Primeira Igreja Batista em Ijuí ofereceu as salas de sua Escola Bíblica Dominical para que a escola se instalasse até que uma estrutura mínima estivesse concluída. As igrejas foram inundadas com a divulgação do novo curso bíblico aprofundado, que iniciaria no ano seguinte, e o informativo Missionsbote divulgava anúncios, conclamando: Die Bibelschule ruft! – ou seja, a Escola Bíblica chama!
O sonho deixava o campo do imaginário e se concretizava na realidade. Enquanto ia sendo executada a obra da primeira casa, as salas de escola domincal da igreja de Ijuí eram preparadas para o início imediato e os alunos respondiam à convocação nas igrejas pioneiras. Nascia o Instituto Bíblico de Ijuí, a primeira instituição de ensino bíblico batista no Rio Grande do Sul. Funcionaria provisoriamente, mas com um grande terreno vazio que sinalizava um passo de fé – ou melhor, uma longa caminhada de fé que ainda viria pela frente.
FONTE: Livro “Faculdade Batista Pioneira – 50 anos de história”